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domingo, 21 de novembro de 2010

Livros: Cândido, ou o Otimismo, de Voltaire.

 “Cândido” é uma das obras mais conhecidas de Voltaire.
  

   O texto contrapõe ingenuidade e esperteza, desprendimento e ganância, caridade e egoísmo, delicadeza e violência, amor e ódio. Tudo isso mesclado com discussões filosóficas sobre causas e efeitos, razão suficiente, ética.
  Como sempre Voltaire expõe suas concepções com fina ironia, sem abandonar o sarcasmo de quando em vez. O romance, em todos e cada um dos seus parágrafos, caracteriza-se como uma sátira às idéias de Leibnitz.
     

Leibnitz afirmara, pelo menos assim entendeu Voltaire, que o mundo é o melhor possível, que Deus não poderia ter construído outro e que tudo corria às mil maravilhas.
     

Voltaire não podia partilhar dessa mesma visão otimista, suas idéias tinham resultado em prisões e perseguições a tal ponto que, por volta de 1753, já não podia fixar-se, sem risco, em lugar algum da Europa.
     

Cândido foi expulso de onde morava, foi preso e torturado, perdeu sua amada, seus melhores amigos; em todos os casos com requintes de crueldade. Mas a cada um desses fatos, meditava sobre como explicar o melhor dos mundos possíveis, sempre com deboche mais ou menos sutil.
     

Como é peculiar a todos os seus trabalhos, o filósofo também criticou acidamente os costumes, a cultura, as artes.
Voltaire

     

Sobre as relações entre sexos, uma passagem merece ser mencionada:
     “Um dia, em que passeava nas proximidades do castelo, pelo pequeno bosque a que chamavam parque, Cunegundes viu entre as moitas o doutor Pangloss que estava dando uma lição de física experimental à camareira de sua mãe, moreninha muito bonita e dócil. Como a senhorita Cunegundes tivesse grande inclinação para as ciências, observou, sem respirar, as repetidas experiências de que foi testemunha; viu com toda a clareza a razão suficiente do doutor, os efeitos e as causas, e regressou toda agitada e pensativa, cheia do desejo de se tornar sábia, e pensando que bem poderia ela ser a razão suficiente do jovem Cândido, o qual também podia ser a sua.”
     Nem mesmo as falcatruas das manufaturas européias ficaram esquecidas:
     “...levou-o para casa, limpou-o, deu-lhe pão e cerveja, presenteou-o com dois florins, e até quis ensinar-lhe a trabalhar na sua manufatura de tecidos da Pérsia fabricados na Holanda.”
     Sugestiva é a menção sobre a recompensa divina para o mal menor:
     “Tínhamos um imame muito devoto e compassivo, que lhes pregou um belo sermão, persuadindo-os a que não nos matassem.
     — Cortai – disse ele – apenas uma nádega a cada uma dessas damas, e com isso vos regalareis. Se for necessário mais, tereis outro tanto daqui a alguns dias. Deus recompensará tão caridosa ação, e sereis socorridos.”
     Não faltou a referência à relação entre exploradores e explorados, e à hipocrisia dos poderosos.
     “Já estiveste então no Paraguai? – indagou Cândido.
     — É verdade. Servi de fâmulo no colégio de Assunção, e conheço o governo dos Padres como conheço as ruas de Cádiz. É uma coisa admirável esse governo. O reino já tem mais de trezentas léguas de diâmetro; é dividido em trinta províncias. Os padres ali têm tudo, e o povo nada; é a obra prima da razão e da justiça. Quanto a mim, não conheço nada mais divino do que os Padres, que aqui fazem guerra ao rei de Espanha e ao rei de Portugal, e que na Europa confessam esses reis; que aqui matam espanhóis e em Madrid os mandam para o céu: isto me encanta.”
     E com que graça se refere à simplicidade da riqueza e do luxo:
     “Entraram numa casa muito simples, pois a porta era apenas de prata e as salas modestamente revestidas de ouro, mas tudo trabalhado com tanto gosto que nada ficavam a dever aos mais ricos lambris. A antecâmara, na verdade, era incrustada somente de esmeraldas e rubis; mas a harmonia do conjunto compensava de sobra essa extrema simplicidade.”
     O respeitabilíssimo Homero não escapou das farpas:
     “Cândido, ao ver um Homero magnificamente encadernado, elogiou o ilustríssimo quanto ao seu bom gosto.
     — Eis – disse ele – um livro que fazia as delícias do grande Pangloss, o maior filósofo da Alemanha.
     — Pois não faz as minhas – disse friamente Pococurante. – Fizeram-me acreditar outrora que eu sentia prazer em lê-lo; mas essa repetição contínua de combates que todos se assemelham, esses deuses que agem sempre para nada fazer de decisivo, essa Helena que é o motivo da guerra e que mal entra na peça; essa Tróia que cercam e não tomam, tudo isso me causava um mortal aborrecimento. Perguntei a eruditos se eles se aborreciam tanto quanto eu nessa leitura. Os que eram sinceros confessaram-me que o livro lhes tombava das mãos, mas que sempre era preciso tê-lo na biblioteca, como um monumento da Antigüidade, é como essas moedas enferrujadas que não podem circular.”
     Foi nesse romance que Voltaire escreveu uma de suas mais célebres frases. Após ouvir uma breve dissertação sobre o perigo das grandezas, que todos os acontecimentos estavam devidamente encadeados no melhor dos mundos possíveis, que todo o sofrimento de Cândido acabara por reverter em benefícios, Cândido, candidamente, respondeu:
     “— Tudo isso está bem dito... mas devemos cultivar nosso jardim.”


No primeiro capítulo de Cândido , o protagonista é
punido por ter flertado com a filha do barão,
dono do castelo onde ele morava
 Uma obra atual, escrita com um humor afiado que crítica e tira um sarro dos otimistas e pessimistas demais. No final Candido e seus amigos se tornam fazendeiros e acham que essa vida é a melhor que eles poderiam ter; daí tem uma das mais famosas frases do Voltaire, que é “mas devemos cultivar nosso jardim”. Jardim é um grande símbolo nesse livro, fora do jardim as pessoas sofrem e são recompensadas por nenhuma razão lógica. No jardim, porém, causa e efeito é fácil de discernir. Finalmente o jardim representa a cultivação e propagação da vida, na qual, apesar todas suas misérias, os personagens decidem agarrar.

Tudo está bem dito. E você, leitor, já cultivou o seu jardim?

Boa leitura!


Nata

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